Câmara dos Deputados debate o aumento da incidência de doenças cardiovasculares no Brasil e no mundo
- Mayara Figueiredo Viana
- 1 de out.
- 8 min de leitura

A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados promoveu, nesta terça-feira (30), audiência pública para discutir o aumento da incidência de doenças cardiovasculares no Brasil e no mundo.
O debate foi solicitado pelo deputado Dr. Luiz Ovando (PP-MS), com o apoio do GAC - Grupo de Advocacy em Cardiovascular, coalização de associações administrada pela Colabore com o Futuro e pela ADJ Brasil. O evento teve como objetivo aprofundar a análise dos impactos desse cenário na saúde da população idosa e na formulação de políticas públicas eficazes de prevenção e tratamento. Além da audiência, ao longo do dia também foram realizadas ações de promoção à saúde, como a verificação de glicemia, colesterol, triglicérides e um interrogatório rápido da condição cardiovascular das pessoas.
Proponente do debate, o deputado Dr. Luiz Ovando (PP-MS) destacou que as doenças cardiovasculares têm crescido no Brasil e representam hoje um dos principais desafios de saúde pública. Ele explicou que, após a chamada transição epidemiológica — quando a ciência venceu grande parte das doenças infectocontagiosas por meio de vacinas e antibióticos —, a população passou a viver mais, o que trouxe novas questões existenciais e também maior exposição a doenças crônicas e degenerativas.
Segundo Ovando, a expectativa de vida no Brasil saltou de cerca de 40 anos no início do século XX para aproximadamente 80 a 85 anos em 2025, patamar que aumenta a incidência de problemas no sistema cardiovascular, descrito por ele como “o mais dinâmico do corpo humano”. O deputado afirmou ainda que, mesmo diante desse processo natural de envelhecimento e degeneração da matéria, a sociedade continua a buscar meios de prolongar a vida com qualidade, ressaltando a importância dos avanços científicos e de sua aplicação clínica para ampliar a longevidade da população.
O diretor de Cardiologia da USP, Dr. Carlos Campos, ressaltou a relevância do debate e destacou que as doenças cardiovasculares continuam sendo a principal causa de mortalidade no mundo, além de gerar sequelas graves, hospitalizações frequentes, perda de qualidade de vida e elevados custos para os sistemas público e privado de saúde.
Campos apontou avanços recentes da cardiologia intervencionista, que permitem procedimentos minimamente invasivos, como a implantação de stents por cateter, sem necessidade de abrir o peito do paciente. Segundo ele, essas técnicas têm reduzido significativamente a mortalidade, mas ainda enfrentam desigualdades de acesso entre o SUS e a saúde suplementar. Enquanto os stents farmacológicos estão disponíveis no sistema público, tecnologias de imagem intracoronária — que aumentam a precisão do implante e reduzem em até 54% a mortalidade cardíaca, segundo estudos internacionais — não estão incorporadas ao SUS, apesar de serem recomendadas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.
O especialista também alertou para a ausência de ferramentas no SUS para tratar a calcificação coronária, comum em idosos, que pode comprometer o resultado dos stents. Tecnologias como laser e brocas, disponíveis na rede privada, ainda não foram incorporadas ao sistema público.
Outro ponto abordado foi a estenose aórtica, doença estrutural prevalente em idosos. Campos explicou que a substituição da válvula por cateter (TAVI) já é uma realidade no Brasil, mas enfrenta dificuldades de financiamento. Segundo ele, hospitais como o INCOR têm registrado prejuízo superior a 30% com o reembolso atual definido em portaria, o que compromete a sustentabilidade da oferta desse procedimento no SUS. O médico defendeu maior atenção para ampliar o acesso a essas tecnologias no sistema público, de forma a garantir tratamento adequado e reduzir desigualdades no cuidado cardiovascular.
O presidente do Conselho Administrativo da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Paulo Ricardo Avancini Caramori, ressaltou a forte ligação entre o envelhecimento da população e o aumento das doenças cardiovasculares, que permanecem como a principal causa de morte no Brasil e no mundo. Ele lembrou que o país vive um processo acelerado de transição demográfica e deve atingir mais de 11 milhões de pessoas acima de 75 anos até 2030, o que ampliará de forma significativa a incidência dessas enfermidades.
Caramori chamou atenção para dados de que atualmente, cerca de 40% dos brasileiros morrem em decorrência de doenças cardiovasculares, enquanto menos de 10% dos casos de infarto recebem tratamento adequado com angioplastia primária ou trombólise em tempo hábil. Essa lacuna no atendimento gera alta mortalidade e eleva os casos de insuficiência cardíaca — hoje a principal causa de internações no SUS.
O cardiologista citou a demora da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) em aprovar medicamentos essenciais e de baixo custo. Ele destacou que, no dia 2 de outubro, o colegiado discutirá a incorporação das estatinas de alta potência, remédios genéricos e baratos que estão disponíveis há décadas e são recomendados por diretrizes internacionais para controle do colesterol. “É incompreensível que uma terapia tão básica e eficaz ainda não esteja incorporada ao SUS. Se tivesse sido utilizada há 30 ou 40 anos, teria prevenido inúmeros casos de infarto e AVC, reduzindo a necessidade de tecnologias mais caras hoje”, afirmou.
Por fim, defendeu que a estratégia nacional priorize educação em saúde, controle de fatores de risco e acesso oportuno a tratamentos, de modo a reduzir desigualdades e garantir uma longevidade mais saudável para os brasileiros.
O médico sanitarista Mário Moreira destacou que o Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior programa de inclusão social do mundo, mas sofre com subfinanciamento e enfrenta fortes desigualdades regionais no atendimento. Segundo ele, as condições de acesso a serviços de urgência e emergência variam muito entre Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul do país, o que compromete a resposta rápida a doenças cardiovasculares.
Moreira ressaltou que as doenças cardiovasculares são a principal ameaça à vida no Brasil, com cerca de 400 mil mortes por ano, ou 46 a cada hora. Apenas em 2022, o país registrou 175 mil mortes por infarto e 138 mil por AVC, juntos responsáveis por 76% dos óbitos cardiovasculares na América Latina. Além disso, lembrou que doenças ainda prevalentes em regiões do interior, como a doença de Chagas, exigem acompanhamento contínuo de cardiologistas e acesso regular a medicamentos — o que muitas vezes não acontece.
O especialista frisou que há ilhas de excelência no Brasil — cinco dos dez melhores hospitais do mundo são cardiológicos brasileiros —, mas também grandes lacunas no acesso. Como exemplo, citou que algumas unidades de urgência em Pernambuco utilizam tratamentos trombolíticos, capazes de salvar vidas, mas esses recursos não chegam a todos os pacientes em diferentes regiões do país.
Ele defendeu a necessidade de estruturar uma linha de cuidado integral no SUS, desde a prevenção até os cuidados paliativos, incluindo o fortalecimento de transplantes valvares e terapias avançadas que hoje sofrem com a falta de financiamento. Também alertou para a falta de formação adequada de profissionais de saúde para lidar com condições como hipertensão arterial e infarto em tempo hábil, o que agrava o problema.
Ao final, Moreira ressaltou que, além dos medicamentos, mudanças no estilo de vida — como a prática regular de atividade física e a redução do consumo de alimentos ultraprocessados, álcool e cigarros eletrônicos — são fundamentais para reduzir a carga de doenças cardiovasculares no país.
O deputado Osmar Terra (PL-RS) destacou que as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no Brasil, seguidas pelo câncer, e defendeu maior ênfase na prevenção e no papel do médico clínico no enfrentamento dessas enfermidades. Segundo o parlamentar, o sistema de saúde precisa ser mais resolutivo na atenção básica, mas hoje muitos postos estão sobrecarregados e terceirizados, funcionando de forma ineficiente e encaminhando pacientes para outros serviços em vez de resolver os problemas de saúde de forma direta.
Terra também expressou preocupação com a expansão desordenada das escolas de medicina no país, muitas delas sem estrutura adequada, corpo docente qualificado ou hospitais de ensino preparados para garantir boa formação prática aos alunos. Para ele, isso resulta em profissionais mal preparados, que se tornam “médicos de encaminhamento”, sem capacidade de diagnóstico resolutivo.
O cardiologista da Universidade Federal Fluminense (UFF), Dr. Evandro Tinoco Mesquita, apresentou dados da nova diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), publicada neste mês, que mostram o crescimento absoluto das doenças cardiovasculares no Brasil, fortemente associado ao envelhecimento, à obesidade e às condições cardiometabólicas.
Segundo Mesquita, a cardiologia mundial avançou para o chamado modelo cardiometabólico, que integra fatores como hipertensão, diabetes, obesidade, disfunção renal e doença hepática. Ele destacou que essas condições, quando não controladas, evoluem para quadros graves de doença isquêmica do coração, fibrilação atrial, AVC, doença vascular periférica e insuficiência cardíaca, considerados por ele os “cinco cavaleiros do apocalipse” da saúde cardiovascular.
O médico ressaltou que a hipertensão arterial é o principal inimigo a ser combatido, defendendo que o valor ideal da pressão deve ser de 120/80 mmHg, e que corrigir obesidade e controlar a pressão são medidas centrais para prevenir a progressão das doenças cardiovasculares. Ele enfatizou a necessidade de integrar a cardiologia ao trabalho de médicos da família, clínicos e emergencistas, reforçando o papel da atenção básica e do SUS como pilares de prevenção.
Mesquita citou o exemplo de Niterói, uma das cidades mais envelhecidas do país, onde apenas 10% da população acima de 45 anos está livre de obesidade, hipertensão, diabetes ou doença coronária. Outros 36% já apresentam fatores de risco, 42% possuem algum grau de disfunção cardíaca e cerca de 10% convivem com insuficiência cardíaca.
Ele elogiou a recente portaria do Ministério da Saúde que amplia o acesso ao diagnóstico e tratamento da insuficiência cardíaca no SUS, incluindo exames como ecocardiograma e biomarcadores, além da oferta de medicamentos considerados padrão. Para Mesquita, essa política deve ser fortalecida e levada a todas as regiões do país, evitando desigualdades no cuidado.
Defendeu a adoção do programa PREVENTE, que permite avaliar o risco individual de desenvolver insuficiência cardíaca, fibrilação atrial, morte cardiovascular, falência renal ou diabetes em até 30 anos. Ele concluiu que o enfrentamento das doenças cardiovasculares exige um cuidado integrado e multidisciplinar, que combine autocuidado do paciente, atenção básica fortalecida e a liderança técnica da cardiologia em conjunto com outras especialidades.
Mesquita destacou que saúde vai além de medicamentos e tratamentos, dependendo também de meio ambiente, prevenção e incorporação tecnológica. Ele citou o impacto do aquecimento climático sobre a saúde cardiovascular, lembrando o episódio de uma jovem que morreu de choque térmico durante um show no Rio de Janeiro, como exemplo da urgência de considerar fatores ambientais na agenda de saúde.
O médico também falou sobre a ampliação das campanhas de vacinação como pilar da prevenção, incluindo vacinas contra Covid-19, pneumonia, gripe, herpes zóster e vírus sincicial respiratório. Ressaltou ainda a importância dos investimentos em inteligência artificial e no complexo industrial da saúde como ferramentas estratégicas para fortalecer o sistema.
Segundo ele, a SBC deve ser uma “caixa de ressonância da saúde cardiovascular” e trabalhar em conjunto com os três Poderes para assegurar assistência adequada a toda a população — brasileira ou estrangeira — que viva no país. Ao concluir, reforçou que “saúde não é uma dádiva, é uma conquista”, e depende de ação pública coordenada.
O cardiologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), Dr. Paolo Blanco Villela, reforçou que as doenças cardiovasculares seguem como principais causas de morte no Brasil e no mundo, superando inclusive o câncer. Ele ressaltou que, embora os fatores de risco tradicionais — como idade, colesterol, hipertensão e tabagismo — sejam determinantes, eles não explicam sozinhos o comportamento da mortalidade cardiovascular.
Segundo Villela, estudos desenvolvidos por sua equipe mostram forte relação entre indicadores socioeconômicos e taxas de mortalidade. Pesquisas recentes apontaram que maior cobertura de planos de saúde, melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e menor vulnerabilidade social estão associados à redução das mortes por doenças cerebrovasculares e cardiovasculares. No entanto, o cardiologista frisou que não basta elevar o IDH de forma parcial: somente quando o índice atinge níveis compatíveis com países desenvolvidos (acima de 0,7) ocorre queda consistente da mortalidade.
Ele destacou ainda que o acesso desigual a alimentos saudáveis e à prática de atividade física impacta diretamente esses indicadores, reforçando a necessidade de políticas públicas que levem em conta os determinantes sociais da saúde, como renda, escolaridade, cultura e ambiente. “Não é apenas prescrever remédios para colesterol, diabetes ou hipertensão; é preciso enfrentar a complexidade dos fatores ambientais, sociais e comportamentais que influenciam a doença aterosclerótica”, afirmou.
Para Villela, as políticas públicas de prevenção cardiovascular devem combinar tratamento clínico adequado com medidas estruturais que ampliem a qualidade de vida da população. Ele concluiu defendendo que prevenção é sinônimo de ação e elogiou a audiência por abrir espaço ao debate sobre estratégias integradas de enfrentamento da mortalidade cardiovascular.
Por fim, o deputado Luiz Ovando (PP-MS) destacou a relevância das discussões para o enfrentamento das doenças cardiovasculares. Fez um agradecimento especial à associação Colabore Com o Futuro, e às organizações ADJ Diabetes Brasil, Unidos pelo Coração e à Frente Parlamentar da Medicina, que promoveram durante o dia uma ação de prevenção com aferição de glicemia, colesterol, triglicérides e avaliação rápida da condição cardiovascular de voluntários.
O parlamentar destacou que iniciativas como essa reforçam a importância da prevenção e do acompanhamento médico contínuo. “É fundamental estarmos sempre de olho nos nossos índices de saúde”, afirmou.












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